Após as alterações realizadas pela Lei n.º 14.112/2020, houve o acréscimo do art. 7-A na Lei 11.101/05, que instituiu o incidente de classificação de créditos públicos nos processos de falência. Trata-se de um verdadeiro microssistema processual de cobrança de crédito público que tramita apenso aos autos falimentares.

Nas palavras de JOÃO PEDRO SCALZILLI, “o objetivo do legislador ao tentar organizar procedimentalmente a apuração dos créditos público na esfera falimentar partiu da necessidade de integrar previsões da LRED e da Lei 6.830/80”. Segundo o autor “o resultado foi satisfatório no que diz respeito à reunião de temas diversos em um único dispositivo legal, especialmente no que diz respeito à regra expressa da suspensão das execuções fiscais até o encerramento da falência, sem prejuízo da possibilidade de prosseguimento contra os corresponsáveis” [1].

E a instituição do incidente de classificação de crédito público não somente foi uma necessidade de integrar e organizar normativas legais previstas em legislações esparsas, como também para fins de organizar o próprio processo falimentar como um todo. Nas palavras do supracitado autor, antes da regulação do incidente de crédito público:

Na prática, o que normalmente ocorria era o seguinte: promovia-se e continuava-se a promover a execução fiscal, com a penhora do crédito fazendário no rosto dos autos do processo falimentar. O administrador judicial, devidamente citado, levava o crédito em consideração quando da ordenação do quadro geral de credores e do efetivo pagamento, respeitando a ordem estabelecida no art. 83 da LREF[2].

Hoje, com a instituição do referido incidente, o que há é uma unificação processual que, ao final, contará com uma única decisão listando “os cálculos e a classificação dos créditos para os fins do disposto nesta Lei, bem como sobre a arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento de credores” (art. 7-A, §4º, I da Lei 11.101/05).

Não obstante o esforço do legislador ordinário para simplificar e organizar o processo falimentar, em execuções de ofício de contribuições previdenciárias perante a Justiça do Trabalho, a União tem alegado que tais créditos não se submetem ao incidente de crédito público.  Partindo de uma leitura isolada do caput do art. 7ª-A da Lei n.º 11.101/05, o ente político defende que, como as contribuições previdenciárias cobradas de ofício na Justiça do Trabalho não são inscritas em dívida ativa, elas não se submetem ao referido incidente. Partindo desse entendimento, continuam pedindo que tais créditos sejam penhorados no rosto dos autos falimentares.

Ou seja, caso esse entendimento prevaleça, a alteração legislativa que visava simplificar o processo falimentar, gerará ainda mais complexidade. Isso porque, ao invés de haver somente um procedimento para o arrolamento e classificação dos créditos públicos, passará a haver dois, a saber: a) para créditos sujeitos à execução de ofício na Justiça do Trabalho, haverá penhora no rosto dos autos, remontando o procedimento antigo que era realizado; e b) para os créditos inscritos em dívida ativa, haverá habilitação por meio de incidente de crédito público.

Ocorre que, com o devido respeito, o entendimento da União Federal é contra legem. Segue a transcrição do art. 7-A, caput e §§ 2º e 6º da Lei 11.101/05:

Art. 7º-A. Na falência, após realizadas as intimações e publicado o edital, conforme previsto, respectivamente, no inciso XIII do caput e no § 1º do art. 99 desta Lei, o juiz instaurará, de ofício, para cada Fazenda Pública credora, incidente de classificação de crédito público e determinará a sua intimação eletrônica para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresente diretamente ao administrador judicial ou em juízo, a depender do momento processual, a relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, acompanhada dos cálculos, da classificação e das informações sobre a situação atual.

§2º Os créditos não definitivamente constituídos, não inscritos em dívida ativa ou com exigibilidade suspensa poderão ser informados em momento posterior.

§6º As disposições deste artigo aplicam-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadram no disposto nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federa[3]l.

Prima facie, salta aos olhos o § 6º que expressamente determina que o incidente de classificação de crédito público se aplica às execuções fiscais e às execuções de ofício que almejem a cobrança de “penalidades administrativas impostas aos empregados pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho” (art. 114, VII da CF), bem como das “contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir[4]” (art. 114, VIII da CF). Ou seja, há norma expressa determinando que as contribuições sociais retidas na fonte e não repassadas à União pelo empregador, reconhecidas em sentença proferida pela Justiça do Trabalho, se sujeitam ao incidente de classificação de crédito público.

Superado esse primeiro ponto, importante demonstrar como essa habilitação deve ocorrer. Para tanto, importante realizar uma diferenciação entre dois momentos processuais distintos: a) antes da publicação do edital de que trata o §2º do art. 7º da Lei 11.101/05 pelo administrador judicial; e b) após publicado o referido edital, com a instauração de ofício do incidente de classificação de crédito público para cada Fazenda Pública credora, nos termos do art. 7-A da Lei 11.101/05.

Antes da publicação do edital de que trata o §2º do art. 7º da Lei 11.101/05, as contribuições sociais executadas de ofício devem ser informadas diretamente pela Justiça do Trabalho ao administrador judicial da falência, tal como já prevê o art. 165 da Consolidação dos Provimentos da CGJT[5]. Munido dessas informações, o administrador judicial publicará o edital de que trata o §2º do art. 7º da Lei 11.101/05.

Após a publicação do referido edital, com a instauração de ofício do incidente de classificação de crédito público para cada Fazenda Pública credora, ainda embasada no art. 165 da Consolidação dos Provimentos da CGJT, cabe à Justiça do Trabalho informar ao juízo falimentar a relação completa dos créditos das contribuições previdenciárias executadas por ela de ofício, acompanhada dos respectivos cálculos. Salienta-se que, nos termos do §2º do art. 7º-A da Lei 11.101/05, tais informações podem ocorrer em momento posterior ao prazo previsto no caput do art. 7º-A da Lei 11.101/05.

Em ambos os casos, as informações prestadas pela Justiça do Trabalho se mostram necessárias, pois, tal como salientado por DANIEL CARNIO COSTA e FELIPE AGUIAR DE BARROS, os órgãos de representação processual da União não têm “controle gerencial sobre os créditos executados de ofício pela JT”[6], haja vista que não são inscritos em dívida ativa.

Obviamente que, uma vez que o crédito foi informado pela Justiça do Trabalho, os órgãos de representação processual da União Federal passarão a dele ter conhecimento. Assim, caso no incidente de classificação de crédito público haja impugnação aos cálculos ou à classificação do crédito (art. 7º-A, §3º I da Lei n.º 11.101/05), à União Federal, por meio de seus órgãos de representação processual, caberá exercer o contraditório e prestar eventuais esclarecimentos (art. 7º-A, §3º, II da Lei n.º 11.101/05). Isso se dá porque, sendo a União Federal efetivamente a credora das contribuições previdenciárias, é ela que tem legitimidade e interesse de agir para defender e, ao final, havendo ativo suficiente, receber tais créditos (art. 17 do CPC).

[1] SCALZILLI, João Pedro. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática da Lei 11.101/2005, 4ª ed., São Paulo: Almedina, 2023, fl. 396.

[2] SCALZILLI, João Pedro. Recuperação de empresas (…), op. cit., p. 389.

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